Era dia de espetáculo, no antigo Cine São Miguel em Garça, minha cidade natal, quando senti pela primeira vez dores fortes nos joelhos. Depois disso, um diagnóstico nada animador: um problema crônico na distribuição de carga nos joelhos. Minhas opções? Uma cirurgia – não recomendada pelo médico ortopedista – ou o velho e bom fortalecimento, aliado à diminuição da… dança. No entanto, continuei alternando períodos mais longos e curtos praticando a dança, mas sempre preocupada em não piorar minha condição física e pensando que jamais conseguiria voltar ao palco.
Nunca dancei profissionalmente, sou tradutora e estudiosa da linguagem, porém dançar sempre foi minha paixão, meu modo de expressão, uma forma de me comunicar comigo mesma, deixando o corpo “falar” para que eu pudesse ouvi-lo.
Gosto muito de ler algumas pesquisadoras de teorias do corpo (Helena Katz e Christine Greigner/PUCSP) que, como eu, acreditam que não é apenas pela linguagem verbal que as pessoas demonstram sua forma de pensar e agir, mas também observando suas experiências com o corpo – simples, como caminhar ou complexas, como dançar. As autoras apresentam o conceito de “corpomídia”, trazendo a compreensão de corpo não como um todo acabado, mas como o resultado de anos de evolução, uma vez que este corpo estará sempre em processo interativo com o meio que o cerca, “sendo a dança o que o impede de morrer de ‘clichê’” (KATZ, 2003: 273).
Observando vários estudos, podemos verificar que a dança tem um papel importantíssimo como forma de motivação e melhora da saúde. A dança terapia, por exemplo, consegue promover melhora comportamental e de interação em pacientes com diversas dificuldades, sejam elas auditivas, motoras ou psicológicas, além de transformar a postura de impotência do “eu não consigo” para uma postura do corpo que diz: “sim, eu posso. (Fux, 1988)
Eis que depois de muitos anos “flertando” com a dança, resolvi abraçá-la novamente, não apenas como uma forma de atividade física, mas sim como antigamente, como uma forma de me expressar, de me alegrar, de superar limites impostos por mim mesma e pensando novamente em – porque não? – voltar aos palcos. Afinal, o primeiro obstáculo diante de nós somos nós mesmos.
Voltei a dançar, dessa vez em uma modalidade diferente, a dança contemporânea, pois até então sempre fiz ballet e jazz. Seria algo diferente, novo, desafiador, mas ao mesmo tempo, apaixonante, “saboroso”, estimulante. Procurei um lugar para dançar que possui o slogan “Dançar para ser feliz” e encontrei não um lugar, mas uma casa, a Casa da Dança Tati Sanchis.
Dessa forma, após um tempo de muito aprendizado, chegou o dia do espetáculo. Porém, dez dias antes… novamente uma dor insuportável, desta vez na lombar e o diagnóstico: uma lesão muscular e a dúvida de, depois de tantos anos, poder subir ao palco novamente. Contudo, quando contei à minha filha de nove anos, que também dança nesta maravilhosa Casa e ouvi dela: “mãe, você é forte, não tem jeito, você tem que dançar”, pensei em uma outra frase, que nada mais é do que uma expressão de força que eu mesma tenho com minha mãe – “tudo vai sempre dar certo”.
Assim, recordei todo o meu percurso, desde quando era a criança que inventava as coreografias para as primas dançarem, até a mulher de hoje que só quer dançar para ser feliz e encarei com muito comprometimento o que precisaria ser feito para estar melhor em dez dias. Dançar tem esse poder, o de empoderamento do “eu”, de fortalecimento da alta estima, de promover a superação de crenças limitantes. Com isso em mente, apesar das dores físicas, consegui me recuperar e subir ao palco do Teatro Gazeta! Um dia memorável, inesquecível.
Felizmente, como no filme “De volta para o futuro” quando o Martin McFly reage a um estereótipo limitante que lhe impuseram com a frase “ninguém… me chama… de covarde”, consegui dizer para mim mesma “ninguém… diz… que eu não posso”.
Acreditem, quem dança seus males espanta, mesmo.
Paula Pastore é Tradutora e Doutora em Estudos Linguísticos
